Cadavres exquis onde menos se espera.

As obras reunidas aqui refletem a visão e metodologias que caracterizam o trabalho de Inês Pargana. Aliando uma sólida capacidade técnica de execução a um léxico visual expressivo em torno do universo feminino, a artista propõe abordagens inesperadas às suas obras, que surpreendem o observador pelo que lhe exigem enquanto ser lúdico e vulnerável.

Inicialmente, as imagens detêm-nos pelas representações de personagens femininos em situações de desconforto. Até certo ponto, estas representações integram-se numa linhagem de abordagens pictóricas ao universo feminino em que as personagens surgem complexas e enigmáticas. A reação do observador é assim de curiosidade, voyeurismo ou até de repulsa: Quem são estas mulheres? O que se passa aqui? Como me sinto relativamente ao que estas obras me fazem sentir? O observador é assim chamado a trazer a sua experiência pessoal, os seus valores e os seus preconceitos para a linha da frente da sua capacidade de interpretação, na procura de uma resposta que lhe traga segurança sobre o que vê.

Segue-se um momento de aparente jogo, em que, graças à aplicação judiciosa de tinta magnética, pormenores adicionais podem ser fisicamente colocados pelo observador sobre a cena principal de cada obra. Este jogo, para além reavivar memórias, espera-se que agradáveis, de brincadeiras infantis, levanta uma pergunta muitíssimo relevante nos dias de hoje: aqui, quem brinca com quem? O observador ou a artista? Quem detém o poder? Quão verdadeiramente livre é uma escolha?

Finalmente, Inês Pargana adiciona o texto à imagem, numa prática que traz de outras projetos, convidando Ondjaki a reagir textualmente a cada obra. As micro-histórias propostas são novos pontos de partida para a exploração das obras. Desafia-se o observador a criar pontes entre imagens e textos, reforçando ou pondo à prova as criações de Ondjaki, compensando-o, ou não, pelos riscos que correu no seu momento criativo. 

Estas obras são assim cadavre exquis complexos em que, partindo da observação inicial, e dos desafios de imaginação e ação lançados, o observador constrói sobre o universo visual da artista o seu próprio léxico – visual, textual e pessoal. Cada cadavre exquis pode ter a permanência da sua presença em sala ou, recorrendo ao ubíquo smartphone, pode ficar imortalizado nas redes sociais, onde imagem, jogo e texto voltam a entrar num novo desafio criativo.

Lisboa, Maio 2024

Inês Brandão